Você já deve ter visto, em diversos bairros, trabalhadores que se intitulam “guardas noturnos” e que fazem ronda em motocicletas pelas ruas. Eles tocam de casa em casa tentando angariar clientes, dos quais cobram mensalidades de R$ 40 a R$ 60. Durante a noite e madrugada, às vezes, se ouve o apito dos “seguranças” motorizados. Qual o nome completo deles? Onde moram? Quais os antecedentes criminais? Ninguém sabe e muito menos se preocupa em investigar Esse trabalho de vigilância particular é legal? Não! É emitida Nota Fiscal? Não; é ofertado apenas um recibo feito à mão. Qual a eficiência desse trabalho para o aumento do nível de segurança da residência do morador? Nenhuma. O morador que contratou esse serviço ilegal corre ainda o risco de receber notificação da Justiça do Trabalho se deixar de pagar a mensalidade? Sim Apesar dos problemas elencados, muitas pessoas pagam mensalidades para os vigias motorizados, acreditando que o serviço possa oferecer proteção para a família. E aquelas guaritas instaladas nas calçadas onde o “segurança” permanece em seu interior “vigiando” o bairro! Além do aspecto ilegal, o resultado para a segurança dos moradores é nulo. Mas por que tanta gente acredita nesses serviços? Para explicar esse fenômeno, sou obrigado a usar expressão popular muito difundida no Brasil: “Me Engana Que Eu Gosto”. Esse jargão nada mais é que um sinal de incredulidade do que foi dito por alguém. Por exemplo, se alguém afirma categoricamente que acredita que o time do América/MG vai conseguir escapar do rebaixamento do campeonato brasileiro/2016 nas últimas rodadas, a resposta só pode ser esta: “Ahhhh, me engana que eu gosto”, ou seja, pare de tentar se enganar. Fiz essa pequena introdução para mostrar que muitos condomínios verticais e horizontais apresentam problemas sérios com a segurança patrimonial, mas, curiosamente, síndicos e alguns moradores defendem ferrenhamente o nível de segurança do local. A reflexão é mais ou menos esta: “Finge que me engana que eu finjo que acredito.” Gostaria de fornecer ao amigo leitor alguns exemplos clássicos:
1) Para identificar veículos autorizados a entrar no edifício, síndicos mandam confeccionar adesivos ou crachás, que ficam visíveis nos vidros dianteiros dos autos dos moradores. Assim, os porteiros analisam visualmente, através da vidraça da guarita ou do monitor das câmeras de segurança, a tal identificação e liberam a entrada. Diversas invasões a prédios já ocorreram porque os marginais simplesmente clonaram tal identificação e assim receberam autorização para entrar na garagem.
2) É muito comum encontrar prédios onde os vidros da guarita são blindados mas a porta é de alumínio ou madeira. Mesmo assim, o síndico acredita que o porteiro está protegido.
3) “Meu porteiro trabalha no edifício há mais de 10 anos e conhece todo mundo”. Será que isso é possível? É óbvio que não. Existe rotatividade muito grande de empregados domésticos e até de moradores em alguns condomínios. Acreditar que o funcionário da portaria vai memorizar a fisionomia e o nome de todos é pueril. Mesmo se isso fosse possível, temos o problema das faltas, férias, demissões e substituições de porteiros. E aí, como fica a segurança?
4) O síndico decide demitir funcionário que foi pego dormindo na portaria. A atitude foi tomada depois de diversas advertências por relapso no serviço e até por descumprimento de normas de segurança pré-determinadas. Acompanhei diversos casos de grupos de moradores que chegam a fazer até abaixo assinado visando a manutenção desse tipo de colaboradores. Eles contrapõe as alegações do administrador afirmando que o funcionário é excelente para a segurança e que pequenos problemas devem ser relevados em razão dos serviços anteriormente prestados. Mas por que isso ocorre se o síndico chegou à conclusão que a demissão é necessária para o bem da segurança da coletividade? Na verdade, trata-se do chamado “porteiro bonzinho”, que é aquele que realiza “favores” particulares aos moradores. Essa relação é vantajosa para ambos os lados, menos para a segurança. O funcionário da portaria recebe algumas benesses e os moradores são agraciados com comodidades e facilidades proibidas no regimento interno do prédio. O escritor Renato Bussolo escreveu o seguinte verso: “Numa situação em que uma pessoa pensa que engana, e a outra finge que acredita, quem será que está sendo enganado?” O administrador de condomínio jamais pode cair na tentação do “me engana que eu gosto” ou usar como subterfúgio. A pior mentira é aquela que a pessoa pensa que te engana, mas acaba enganando a si mesma, acreditando na própria mentira. A máscara da ilusão cai quando o prédio sofre sério sinistro. Com a ferida exposta e o dano irreparável ocorrido, os erros e falhas se destacam com incrível clareza. Nesse momento de crise, não há mais espaço para argumentos falsos ou duvidosos. É irrefutável a extrema necessidade de se ter segurança responsável e efetiva.